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6 de out. de 2011

Cofap

          Filho de imigrantes russos, Abraham Kasinsky, nascido em 1917, teve uma infância marcada por restrições. Ele e seus três irmãos não podiam, por exemplo, comer uma maçã inteira. Naquela época Kasinsky queria ser médico, mas precisaria trabalhar para bancar o estudo. Dos pais, só tinha casa, comida e roupa lavada.
          A opção mais cômoda - e barata, pois economizava o dinheiro da passagem - foi trabalhar no comércio de autopeças do pai, a loja Três Leões. Começou aos 10 anos, consertando pneus no porão. Com a morte do pai, em 1941, Kasinsky assumiu, ao lado de um dos irmãos, Bernardo, o comando da loja. Juntos, expandiram os negócios e abriram várias filiais em São Paulo.
          Perito nesse mercado e já na condição de maior importador da América Latina, Kasinsky teve, então, a ideia de fabricar as próprias peças em vez de importar.
          Foi assim que surgiu a nova empresa. Kasinsky fundou com o irmão Bernardo, em 1951, em Santo André, a Companhia Fabricadora de Peças (Cofap) que se transformou na maior da América Latina, com 18 fábricas no mundo e comercialização em 96 países. Faturava perto de US$ 1 bilhão e possuía 35 mil funcionários.
          Em 1988, Kasinsky doou 50,7% das ações da empresa a seus filhos, mas, no final da década de 1980, então com mais de 70 anos, envolveu-se numa guerra contra seus filhos pelo poder da empresa e foi à Justiça pedir revogação da decisão. Kasinsky não desistiu da Cofap, mas a Cofap não resistiu em suas mãos.
          Em janeiro de 1992, Kasinsky implode o plano de sucessão e afasta o filho mais velho, Roberto, de suas funções na empresa. A parti daí, voltou a imprimir seu próprio ritmo à Cofap. Com a ajuda de uma consultoria externa, a Nova Gestão, passou a organizar encontros com operários e gerentes para reafirmar sua liderança e seu controle sobre a empresa. Um dos lances dessa reviravolta foi a demissão no final de junho (1992) de quatro diretores.
          No mês seguinte, julho, Kasinsky anunciou o enterro definitivo do plano de sucessão, montado por outra firma de consultoria, a Arthur D. Little. De acordo com o cronograma estabelecido, Kasinsky deixaria o dia-a-dia da empresa em 11 de julho de 1992, data de seu 75º aniversário, par acomodar-se no conselho de administração do grupo aos lado dos dois filhos e de seus sobrinhos. Nada disso aconteceu, nem iria acontecer tão cedo. "Só saio da empresa dentro de um caixão", disse ele. "Não se pode abandonar um antigo amor de uma hora para outra."
          Era difícil imaginar um homem com ótima vitalidade simplesmente se aposentar. Principalmente porque, nesse momento, a Cofap, então com 11.600 funcionários, enfrentava a pior crise de sua história. Em 1991, a empresa sentira pela primeira vez o gosto amargo do prejuízo. A situação parecia estar sendo revertida.
          Kasinsky dizia que os perfis dos dois filhos se complementavam, mas, "separados, não vejo condições em nenhum deles de assumir". Na verdade, Kasinsky já havia escolhido seu sucessor na presidência executiva. Tratava-se de Fernand Ezra Setton, um veterano da Cofap e considerado o alter-ego de Kasinsky. Em novembro de 1991, Setton saíra da empresa.
          Em setembro de 1992, Abraham Kasinsky cancelou a participação da Cofap no Salão do Automóvel. O gesto foi interpretado como um protesto contra a presença da Renault argentina, comprada em julho (1992) por seu filho Roberto Kasinsky e um grupo de argentinos. Os dois estavam brigados desde que Kasinsky soube que Roberto articulara uma conspiração para afastá-lo da direção da Cofap. Foi a primeira ausência da empresa no salão.
          Em 15 de setembro de 1995 Roberto e Renato decidiram deixar o negócio, vendendo 40% de suas ações da Cofap ao Bradesco e os 10,7% restantes ao pai. O negócio entre a Cofap e o Bradesco, estimado em cerca de 60 milhões de dólares, só foi possível graças à solução das disputas judiciais entre Abraham Kasinsky e seus filhos. Se as brigas na Justiça acabaram, as desavenças particulares entre Kasinsky e os filhos persistiram, a ponto de não se falarem.
          Enfraquecida  pelas disputas familiares e pela concorrência internacional, em 1997 Kasinsky vendeu a Cofap para a italiana Magneti Marelli, do grupo Fiat.
          Em 1999, refeito, Kasinsky comprou a montadora de Motos Hyosung e fundou, em Manaus, a Companhia Fabricadora de Veículos - Cofave, produtora das motocicletas e triciclos de marca Kasinski (com "i").
          Em 2006, aos 89 anos, todos os dias, ele dava 12 horas de expediente na sede da empresa em São Paulo. Disse arrepender-se da forma como conduziu os problemas na Cofap. "Eu me preparei mal, achava que a empresa era apenas fruto da minha genialidade. Errei, fui ambicioso, prepotente, vaidoso, e meus filhos mal falam comigo", disse. Isso não significa que Kasinsky pensava em parar, nem que ele tivesse mudado sua relação emocional com os negócios.
          Abraham Kasinsky faleceu em 9 de fevereiro de 2012.
(Fonte: revista Exame - 22.07.1992 / 16.09.1992 / 27.09.1995 / revista Forbes Brasil – 20.12.2002 / 13.08.2004 / revista Exame - 16.08.2006 – partes)

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