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1 de out. de 2011

Varig

          Ano de 1927. A aviação comercial alça os seus primeiros voos no mundo. No Brasil, navega entre o sonho e a ousadia. Até que, numa pequena sala da Associação Comercial de Porto Alegre, uma reunião de idealistas - mais audaciosos do que sonhadores -, tendo à frente Otto Ernst Meyer, o criador da VARIG, marca a decolagem do principal e mais importante capítulo da história do transporte aéreo brasileiro. Nasce em 7 de maio daquele ano, a S.A. Empresa de Viação Aérea Rio-Grandense, a Varig, cuja certidão de nascimento - os estatutos da empresa, aprovados pelos primeiros acionistas - não era mais do que um documento com vários propósitos e muitas assinaturas, símbolos de compromissos pela construção de um ideal que a história provou  ser nobre e que foi motivo de orgulho para o Brasil e para os brasileiros.
          Do primeiro avião - "Atlântico", 9 passageiros, 180 km/hora - ao Boeing 777 - hoje o avião comercial mais moderno do mundo, com capacidade para transportar mais de 400 passageiros a uma velocidade de quase 1.000 km/hora -, conta-se uma verdadeira epopeia de homens e máquinas. Nela, o nome Ruben Berta - o primeiro funcionário e seu presidente de 1941 a 1966, quando veio a falecer - destaca-se não apenas como um símbolo, mas também como um exemplo de desprendimento e dedicação à companhia.
          A Varig começou com uma linha de apenas 270 quilômetros (Porto Alegre - Pelotas - Rio Grande). No seu primeiro ano de atividade, realizou 85 voos, transportou 652 passageiros e voou 210 horas.
          Em 1932, a Varig começou a usar o aeródromo de São João, em Porto Alegre, quando comprou seus primeiros aviões com trem de pouso, como o trimotor Junker-52 de fabricação alemã. O lugar pertencia à Brigada Militar do Rio Grande do Sul e, mais tarde, em 1947, o espaço ficaria conhecido como Aeroporto Internacional Salgado Filho.
          O primeiro voo para Nova York ocorreu em 1955 com um avião Super Constellation.
          Entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o final da década de 1960, a Varig utilizava intensamente o avião Douglas DC-3. Esse modelo era muito usado também pelas outras companhias aéreas brasileiras e pela FAB (Força Aérea Brasileira), que operava o Correio Aéreo Nacional.
          Em 1961, a Varig adquiriu o Consórcio REAL-Aerovias-Nacional.
          Em 3 de setembro de 1989 o voo 254 da Varig decolou de Marabá para Belém, um voo de 50 minutos rumo quase norte (027º) e voou na direção 270º (oeste exato), caindo na floresta amazônica, a mais de mil quilômetros do destino. Das 54 pessoas a bordo (entre passageiros e tripulantes), 12 morreram. Naquela ocasião, ocorreu um erro de leitura do plano de voo. O comandante Cézar Garcez e seu copiloto Nilson Zille interpretaram 027.0º como sendo 270º. Os décimos de graus haviam sido implantados pela Varig poucos dias antes.
          O monopólio dos voos internacionais foi garantido em 1973, com um decreto do presidente Medici. A Varig passou a ser um referência do país no exterior. Nessa época, seus 111 escritórios internacionais funcionavam como extensão das embaixadas brasileiras e o faturamento om essas viagens respondia por 70% da receita da companhia.
          Em abril de 1990, assume o comando da empresa o executivo Rubel Thomas. Desde que assumiu, até meados de 1994, Thomas foi responsável pela maior reestruturação até então já promovida na empresa. De mais de 26.000 funcionários, restaram 23.000. O número de diretores caiu de catorze para oito e muitas linhas deficitárias foram desativadas. Foi o caso das linhas para Nigéria e Costa do Marfim, na África, Guiana Francesa, Trinidad e Tobago, no Caribe, e Montreal, no Canadá.
          Foi nesse período que ocorreu o fim do monopólio dos voos internacionais, derrubado durante o governo de Fernando Collor. Foi um duro golpe para a empresa.
          Em agosto de 1994, uma pergunta começou a circular: Rubel Thomas fica? A origem da interrogação estava na mudança recém promovida no vetusto conselho de administração da empresa. A partir de então, tinham assento no conselho representantes da General Electric e da McDonnell Douglas, dois de seus principais e mais antigos fornecedores, e dos bancos credores. Eram quatro forasteiros, no total. Em 67 anos de existência, essa era a primeira vez que pessoas de fora integraram o conselho da Varig. Era, portanto, um fato extraordinário. Tão extraordinário quanto a situação vivida pela empresa. Nos últimos três anos, os prejuízos acumulados chegaram a mais de 1 bilhão de dólares. Seu patrimônio líquido encolheu de 767 milhões de dólares para 34 milhões de dólares.
          A empresa demorava para fazer ajustes, por mais clara que fosse a necessidade de fazê-los. A Associação de Pilotos da Varig - Apvar, entidade que congregava 90% dos 1.350 pilotos da companhia, presidida por Gelson Dagmar Fochesato, teria mandado fazer um diagnóstico da companhia. Para isso a Apvar contratou a americana Simat, Helliessen & Eichner Inc., SH&E, empresa de consultoria especializada na indústria de transporte aéreo, com base em Nova York. As conclusões foram demolidoras. Em primeiro lugar, a Varig continuou a crescer, enquanto todas as suas concorrentes no mundo frearam seus investimentos. Inchada, com uma gestão superada e lenta para reagir ao acirramento da concorrência, a Varig via seus prejuízos aumentarem e o patrimônio líquido se deteriorar. Fochesato teria levado o trabalho à direção da empresa, que não deu atenção ao estudo. Só em janeiro de 1994 teriam contratado uma empresa de consultoria, a Booz-Allen, que não é especializada em transporte aéreo, para fazer esse diagnóstico, segundo Fochesato.
          As tentativas de buscar uma negociação com a Varig não ficaram só no estudo, segundo Fochesato. Em março de 1994, a Apvar apresentou um pacote de medidas de emergência à direção da empresa. Entre elas estavam a redução do salário por tempo determinado, a hospedagem da tripulação em hotéis mais baratos - de cinco ou quatro estrelas para três ou duas -  a colocação de dois tripulantes por quarto de hotel. Até aceitar a demissão de pilotos a Apvar estaria disposta. Em troca, a Apvar queria um assento no conselho de administração. Teria havido nova negativa da empresa.
          Em maio de 1995, o engenheiro Carlos Willy Engels assumiu o comando da empresa. Sua missão: acelerar o processo de reestruturação, que já levara à venda de diversas subsidiárias e ao enxugamento de linhas e do quadro de funcionários. O conselho de administração da Varig, mostrou, entretanto, que a Varig não estava conseguindo decolar com a velocidade que os problemas da empresa exigiam.
          Engels tornou-se Carlos, o Breve. Durante sessenta anos, a companhia teve apenas sete presidentes. Carlos Willy Engels aguentou-se apenas oito meses no posto. Quem observasse os bem-humorados comerciais da companhia poderia achar que tudo corria bem. Publicamente, a Varig dava-se ao luxo de se divertir à custa dos concorrentes que tinham voos com muitas escalas. Em 1994, impulsionada pelo real e por uma reestruturação que teve assessoria do Banco Pactual, a companhia lucrara 201 milhões de dólares - contra um prejuízo de 229 milhões em 1993. Engels foi deslocado da cadeira de presidente para um assento no próprio conselho de administração.
          Para o seu lugar, foi escolhido o engenheiro gaúcho Fernando Pinto. Aos 46 anos e então há três no comando da Rio-Sul, uma subsidiária da Varig para voos regionais, Pinto tinha números invejáveis a apresentar. Na verdade, até então, ele comandava a única companhia do grupo Varig que podia ser apontada como um caso indiscutível de sucesso. Quando Pinto assumiu a presidência da Rio-Sul, a empresa faturava 57 milhões de dólares. No final de 1995, passou para o patamar dos 260 milhões.
          Quem conhecia bem os corredores da Varig avalia que só então estava se contemplando a transição da empresa. Ou seja, Pinto já era um candidato forte em 1995, mas o conselho preferiu escolher alguém como Engels, ligado a Rubel Thomas, presidente da Varig em sua fase mais problemática. Então, chegou-se à conclusão de que era a hora de um corte mais profundo. De alguém que apressasse as mudanças de que a Varig precisava.
          Em 1995, passou a dar as cartas na Fundação Rubem Berta, controladora da Varig, o executivo Yutaka Imagawa. Nos anos seguintes, Imagawa foi recusando todas as propostas de solução para a crise da empresa que implicassem a redução de poder da fundação. Os executivos que contrariavam sua posição eram cortados - de 1998 a 2003 a Varig teve seis presidentes. A insistência de Imagawa em manter a Varig em voo solo levou a companhia a uma situação pré-falimentar, com patrimônio líquido negativo bilionário.
          Em 1996, com fortes sinais de prejuízos continuando a aparecer na última linha do balanço, sentindo o avanço de concorrentes e depois da constatação de que fora do Brasil, a empresa não era identificada como brasileira, a Varig investe na reformulação visual. Em 15 de outubro, o primeiro avião com "Brasil" na fuselagem ganhou os céus. A empresa muda totalmente o layout de seus aviões, a decoração interna das aeronaves, as poltronas, o visual dos bilhetes, das lojas e até a roupa dos tripulantes. A única coisa que permanece, embora com novo desenho, é o símbolo da rosa dos ventos, e as cores azul e branco. A mudança ficou a cargo da Landor (vide origem da marca Landor neste blog), que já tinha mudado o visual da British, da Northwest, da Cathay e da JAL. A decoração externa continuou anos mais tarde, com a contratação da Artfix, especialista em comunicação visual, que estampou adesivos em vários aviões da Varig, em diferentes ocasiões.
          No início dos anos 2000, em conjunto com a Rio Sul e a Nordeste, a companhia operava a maior e mais completa rede de linhas do Brasil, servindo a 110 cidades. Para o exterior, voava diretamente para 27 destinos em 18 países, em quatro continentes. Foi quando ingressou na Star Alliance, a então maior aliança de companhias aéreas do mundo.
          Exatamente às 15 horas e 30 minutos da terça-feira dia 19 de agosto de 2002, em rápida cerimônia, sem clima para comemoração, o quarto presidente em sete anos (nos 68 anos anteriores a companhia teve apenas seis presidentes), tomou posse na Varig. Destacado da diretoria de administração e finanças da subsidiária Rio Sul Linhas Aéreas, o economista gaúcho Armin Lore recebeu a hercúlia tarefa de colocar as finanças da vetusta empresa em ordem. A Varig já estava apresentando prejuízos contínuos e nesse período o patrimônio líquido ficou negativo, apesar de o faturamento bruto continuar ascendente. Ou seja, mesmo se fosse vendida, não sobrariam recursos para pagar todas as dívidas.
          Numa interferência do governo federal, teria sido definido que credores públicos (Banco do Brasil, Infraero, BR Distribuidora etc) e privados (Unibanco, GE etc) formassem um comitê de negociações com a empresa, com o afastamento dos curadores da Fundação Rubem Berta, e o então presidente Ozires Silva tocaria sozinho o negócio. Mas, para surpresa dos credores, o presidente do conselho de curadores, Yutaka Imagawa, apresentou uma carta assinada pelos sete membros do conselho recusando o nome de Ozires. A Associação de pilotos da Varig (Avpar) já alegava, via seu presidente, Flávio Souza, que a Varig tinha uma dívida previdenciária com os funcionários de mais de 2 bilhões de reais, e que portanto poderiam assumir a companhia junto com um investidor privado que já teria manifestado interesse no negócio. Não acreditava que a fundação sairia da administração da Varig (como não saiu).
          Na essência, a criação da fundação deveria ser algo bom para a Varig. Ao ser criada, em 1945, como Fundação dos Funcionários da Varig, ela não só resolveu para sempre a questão sucessória como passou a funcionar como um elemento decisivo na expansão da companhia. Inspirado nos mandamentos da encíclica Rerum novarum, do papa Leão XIII, o então presidente Rubem Berta propôs que os funcionários ficassem com 50% das ações da empresa. De lá para cá a fundação, que teve seu nome mudado para Rubem Berta em 1966, vinha indicando o presidente e o vice por eleição direta entre os funcionários que pertenciam ao Colégio Deliberante, o órgão supremo da estrutura administrativa da Varig. Com 51% das ações da empresa, a fundação garantia a estabilidade da maior companhia aérea brasileira com o empenho dos funcionários. Mas, quem garantia a eficácia da administração daquela que foi a maior empresa de capital privado nacional?
          Dona de 87% das ações, a FRB transformou os funcionários em donos da companhia - o que acabou por gerar um previsível conflito de interesses. Os empregados acumularam regalias e direitos e passaram a gozar de uma estabilidade inédita em companhias desse tipo. Mas no momento de realizar sacrifícios para equilibrar a saúde financeira não se registrou nenhum movimento dos funcionários ou da FRB. 
          Em fevereiro de 2003 chegou a ser noticiado na imprensa a fusão da Varig, então com faturamento de US$ 2,8 bilhões (2002), com a Tam, quando alcançariam um market share de 70%, ficando os outros 30% com a Gol.
          O negócio não vingou. Mas chegou perto. O tiro de misericórdia nas pretensões da Varig  de continuar seu voo solo foi dado em pleno sábado, dia 24 de maio de 2003, quando o conselho da Fundação Rubem Beta - a controladora da empresa - destituiu seus sete curadores. Entre eles, o presidente da Fundação, o "auto-blindado" Yutaka Imagawa, que sistematicamente criava obstáculos à fusão. Foi uma decisão histórica. Imagawa tinha tamanha força dentro da fundação que foi responsável pela queda de vários presidentes da Varig, desde 1995. Executivos da companhia contam que antes da reunião de sábado que decidiria a nova composição da fundação, o governo fez chegar aos 230 conselheiros um recado claro: ou votavam pela destituição dos sete curadores ou estaria definitivamente encerrada qualquer negociação para salvar a Varig.
          Feita a substituição, já na segunda-feira, dia 26, o clima de negociação entre a Varig, a Tam, os credores e o governo mudou. Para começar, o então presidente da empresa, Roberto Macedo, colocado no comando por Imagawa, foi afastado das negociações sobre a fusão. Macedo passou a cuidar apenas do dia-a-dia da companhia. Como negociadores do processo de fusão foram indicados seu antecessor no cargo, Manuel Guedes, e Joaquim Santos, funcionário aposentado da Varig.
          Os pontos principais do acordo já estavam definidos. A Varig teria apenas 5% da nova empresa. A Tam, em torno de 35%. Já os devedores nacionais e o BNDES ficariam com 40%, e os internacionais, com 20%. A Tam seria responsável pela administração da nova companhia, embora alguns executivos da Varig seriam chamados.
          Essa fusão seria a garantia de sobrevivência da Varig e da Tam? Analistas afirmaram que ela só viabilizaria as duas empresas caso o governo implementasse as mudanças estudadas para o setor de aviação. Uma delas era a reorganização das rotas nacionais, com a redução da oferta de assentos. Isso reduziria a competição predatória entre as empresas. Além disso, a nova companhia seria a única brasileira a fazer rotas internacionais. Para o consumidor, ainda não se sabia se essa concentração seria bom negócio. Mas, o negócio acabou não indo adiante.
          Olhando-se os números de dezembro de 2003, o quadro era estarrecedor. A dívida, que se manteve entre 2,1 bilhões de reais e 2,6 bilhões de reais, entre 1998 e 2002, pulou para 5,7 bilhões de reais em fins de 2003. Os prejuízos, contínuos mas não aviltados entre 1998 e 2000, pularam para mais de meio bilhão de reais em 2001, 3,1 bilhões de reais em 2002 e 1,8 bilhão de reais em 2003. O patrimônio líquido, que estreou discretamente no negativo em 2000, chegou no final de 2003 em incríveis 6,3 bilhões de reais negativos. O caixa de 408 milhões de reais gerados pela empresa em 2003 nem sequer era suficiente para pagar os 600 milhões de juros decorrentes da dívida. Sem condições de honrar o serviço da dívida, a Varig não conseguia amortizar seu débito principal - e não sobrava nada para investir na própria operação.
          Em fins de 2004, o governo já encontrava cada vez mais dificuldade para salvar a Varig, então endividada em 6 bilhões de reais. Um problema grave, até então pouco falado, era o que fazer com o Aerus, fundo de pensão dos funcionários da empresa. O balanço do fundo mostrava patrimônio de 2,3 bilhões de reais, mas metade do valor era devido pela Varig. O Aerus tinha 8.000 beneficiários e 24.000 contribuintes. Por ano, pagava 260 milhões de reais de benefícios - incluindo aposentadorias de 40.000 reais por mês. Em três anos, esgotaria as reservas caso a Varig deixasse de existir.
          Em meados de 2005, a portuguesa TAP mostrou que ainda queria comprar a Varig. Pelo menos o percentual que era permitido. No final de agosto (2005) ela conseguiu um empréstimo de 330 milhões de euros para financiar uma eventual compra de 20% da Varig. O crédito foi concedido pelo banco Millenium BCP - a mesma instituição financeira que teria sido achacada pelo "publicitário" Marcos Valério.
          Em novembro de 2005, a equipe de David Zylbersztajn, presidente do conselho de administração, apresentou um plano de recuperação judicial para a companhia. Mas era difícil imaginar uma viva alma acreditar no sucesso do plano. Para ficar num só exemplo, Zylbersztajn anunciou, em meados de novembro (2005), a demissão de 156 funcionários que operavam aviões da Embraer. Como a Varig havia devolvido os aviões, seus executivos julgaram desnecessário manter esse pessoal. Os sindicatos reagiram e a decisão foi revertida. Nenhum funcionário foi demitido, mas Zylbersztajn e sua equipe, estes sim, perderam o emprego.
          Foi justamente com Zylbersztajn que a FRB armou uma grande confusão. A relação conflituosa foi travada com executivos que ela mesma contratou. Em maio de 2005, a FRB trouxe David Zylbersztajn, ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), para tentar colocar um mínimo de ordem na casa. Acompanhado de outros executivos, Zylbersztajn ficou seis meses à frente da companhia. O relacionamento com a FRB foi desastroso. Em pelo menos duas oportunidades, o executivo sentiu-se atropelado pelos representantes da fundação. Num dos episódios que ajudaram a piorar a relação, um advogado da FRB ligou para o escritório do presidente da TAP, Fernando Pinto, em Lisboa. No telefonema, o advogado pedia que a companhia portuguesa negociasse a compra da Varig diretamente com a fundação, ignorando os executivos. Educadamente, Pinto - também ex-presidente da Varig - despachou o interlocutor. O segundo incidente ocorreu semanas depois, quando o presidente da Varig, Omar Carneiro da Cunha, acusou nova interferência da fundação, desta vez junto à empresa ATS Internacional, que negociava a compra da Varig Engenharia e Manutenção, a VEM.
          A luta da turma de Zylbersztajn com a FRB não teve vencedores. A equipe do executivo foi demitida e a fundação também saiu derrotada no final do processo. A Justiça afastou a FRB do controle da empresa depois de uma frustrada negociação com o grupo Docas, do empresário Nelson Tanure. Segundo a juíza Márcia Cunha, da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, "eles agiram em interesse próprio e não no da companhia. A FRB abusou do poder de controle."
          No período de 2001 a 2005, a Varig viu despencar sua participação no mercado doméstico, de 40% para 25%, quando os aviões diminuíram de 118 para 78. Mas o número de funcionários até subiu. Foi de 11.429 para 12.671.
          O episódio mostrou a enorme distância que separa a Varig da eficiência, deixando credores "perplexos com a enorme esquizofrenia na Fundação Rubem Berta". Com total inoperância, a Fundação Rubem Berta passou anos esperando que a salvação de uma empresa privada cronicamente ineficiente viesse da mão caridosa do governo. Como a ideia não prosperou em Brasília, a competição com companhias aéreas mais eficientes fez a Varig minguar pouco a pouco. Foi nessa época (final de 2005), que sinais mais contundentes mostravam que uma possível quebra da Varig já não parecia um problema tão grande para seus consumidores.
          A reportagem da revista Exame teve acesso a uma série de correspondências trocadas entre executivos que comandavam a Varig nos últimos meses de 2005 e sua controladora, a FRB. Os documentos mostraram o comportamento desconexo da fundação: seus representantes atrapalharam quanto puderam o trabalho dos profissionais que eles mesmos contrataram. Na falta de controle, suprimentos eram desviados para os salões da alta sociedade carioca e contratos eram assinados sem o conhecimento da diretoria. Em meio à crise, até mesmo pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitaram a oportunidade para lucrar com a crise da companhia. Ex-presidente do conselho de administração da Transbrasil e compadre do presidente Lula, o advogado Roberto Teixeira é um dos personagens dessa trama. Se não fosse por uma auditoria, realizada pela administração da época, Teixeira seria beneficiário de um polpudo contrato. A título de serviços de consultoria, o advogado poderia receber até 105 milhões de reais. A transação foi descoberta em uma operação pente-fino que revelou dez acordos em condições suspeitas. Esses contratos eram aprovados diretamente por um ou dois diretores, sem o conhecimento do restante da diretoria e do departamento jurídico. No caso de Teixeira, seu escritório foi contratado para auxiliar a Varig a receber créditos tributários de ICMS, estimados em 700 milhões de reais. Pelo acordo, o compadre de Lula teria 450 mil reais e uma bolada caso a manobra desse certo - 15% do total dos créditos da empresa (os tais 105 milhões).
          Mesmo com uma dívida de mais de 10 bilhões de reais , a Varig manteve custos altíssimos e descontrolados. Um dos exemplos beira o folclore. Já com números proibitivos no balanço, a Varig incluía no serviço de bordo da primeira classe a opção de caviar para passageiros. A iguaria abastecia os voos da empresa e algumas das festas mais badaladas do Rio de Janeiro. Em uma entrevista ao Jornal do Brasil, o promoter Bruno Chateaubriand declarou que só fazia festas com "o caviar da "Varig". Segundo Chateaubriand, as latinhas chegavam às suas mãos por 90 reais, um quinto do valor de mercado. Não há notícia de que a Varig tenha recebido um tostão sequer por essa operação. Os custos do caviar, porém, foram mensurados: 6 milhões de reais por ano. 
          No início de 2006, a nova gestão da Varig se deparava com sinais notórios de falta de caixa: ainda não havia pagado a multa rescisória ao conselho de notáveis que dirigiu a empresa até novembro de 2005. Ficaram sem receber a indenização o ex-presidente David Zylbersztajn e os executivos Eleazar de Carvalho e Omar Carneiro da Cunha - demitidos da empresa por divergências com a Fundação Rubem Berta.
          Sem conseguir fôlego para se recuperar, a empresa a empresa entrou numa espiral de equívocos. Um dos maiores foi a alta rotatividade de presidentes. De 1995 a março de 2006, 11 profissionais e um comitê passaram pela presidência da companhia. Um turn over fora de questão. Só em 2005, quatro executivos ocuparam essa função.
          Em julho de 2006 a empresa pediu recuperação judicial e tentou dar a volta por cima como Flex Linhas Aéreas, porém o plano de recuperação não foi colocado em prática. 
          Em meados de 2006, Lap Wai Chan, sócio do Matlin Patterson, fundo de investimento que participou do processo de recuperação de empresas como a WorldCom e tentava arrematar a Varig, disse: "Nunca vi uma situação tão complexa e difícil quanto a da Varig". Lap Chan, um dos novos donos da companhia, fez o mercado levantar a hipótese de que Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) poderia assumir o comando da Varig. No início de agosto de 2006 Maria Silva estudava a proposta de Chan e deu sinais que estaria propensa a dizer sim. A executiva recém havia recusado convite para fazer parte do conselho de um fundo de investimento de capital estrangeiro para projetos no Brasil. Justificativa dada ao interlocutor: por estar quase com o pé em outro barco (ou avião), ela não poderia se dedicar inteiramente ao projeto.
          Em 2007, a Varig acusava o executivo Humberto Folegatti, então presidente da BRA, por falsificação de documentos. A BRA era ex-sócia na Rotatur, a companhia aérea de baixo custo  da Fundação Ruben Berta - parceria que resultou num prejuízo de cerca de 70 milhões de reais para a já combalida Varig.
          E em novembro de 2009 a Varig operou seu último voo comercial. Melancólico para uma empresa que já foi considerada uma das maiores companhias aéreas do mundo e por quase 80 anos teve participação vital para o desenvolvimento aéreo brasileiro e uma das grandes responsáveis pelo aumento de rotas internacionais partindo do Brasil. Entre as décadas de 1950 e 1970 era comparada com gigantes de Europa e Estados Unidos, e em 2001 foi a primeira a receber o Boeing 777-200ER, que vinha com um então inédito sistema de entretenimento individual.
          No seu auge, a Varig chegou a ter 127 aviões, 20 mil funcionários e destinos para 36 países. No entanto, aquela que durante décadas foi a maior companhia aérea da América Latina ficou só na lembrança. Quando parou de voar, a Varig deixou 12 mil pessoas desempregadas. Parte da empresa foi vendida para uma outra companhia, a Gol e o que sobrou teve a falência decretada em 2010. A grande maioria dos funcionários nunca recebeu os direitos trabalhistas. Somente quem se aposentou até 2006, quando a Varig encerrou as operações, conseguiu ter acesso ao fundo de previdência privado.
          Depois da falência da companhia, o fundo de aposentadoria dos funcionários, o Aerus, criado em 1982, também quebrou. O rombo foi de R$ 3 bilhões.
          Em agosto de 2017, o STF, em ação que tramitava havia vinte anos, manteve a sentença que determina à União o pagamento de indenização de 3 bilhões de reais à companhia, que tem dívidas trabalhistas e com seu fundo de previdência.
(Fonte: revista Exame - 06.01.1993 / 31.08.1994 / 17.01.1996 / jornal O Estado de S.Paulo - 02.09.1996 / jornal Folha de S.Paulo - 28.09.1996 / revista Exame - 11.06.2003 / 06.08.2003 / 15.09.2004 / 10.11.2004 / 31.08.2005 / 07.12.2005 / 01.02.2006 / 29.03.2006 / 19.07.2006 / 16.08.2006 / 21.11.2007 / Mundo Varig - Informações e novidades / G1-Globo.com-RS - 23.03.2016 / revista Veja 09.08.2017 / IstoÉDinheiro - 30.01.2019 / NewsLetter Inversa (Ivan Sant'Anna) / Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil - partes)


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