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1 de out. de 2011

YSL

          O que diferencia um estilista de sucesso de um gênio da costura é uma substância intangível com nome de perfume: o espírito do tempo. Foi por captar exatamente o momento em que as filhas deixaram de querer se vestir como as mães e as mães passaram a querer se vestir como as filhas que Yves Saint Laurent se tornou o maior nome da moda depois da era dos grandes (Chanel, Dior, Balenciaga).
          Os tempos começaram a mudar nos anos 1960, e durante praticamente duas décadas Saint Laurent se tornou seu grande intérprete nas passarelas. Por causa dessa sintonia, o que ele fez em matéria de moda retrata não apenas como as roupas, mas como as pessoas, mudaram. Um rápido resumo: jaqueta de couro usada com suéter preto de gola rulê (o existencialismo); túnicas de inspiração indiana, colares africanos, casacos afegãos e saias de camponesa russa (o flower power); o estilo safári (uma loucura explicada pela nova era); o smoking feminino (o movimento de libertação das mulheres).
          Saint Laurent virou sigla, YSL, e correspondeu em todos os angustiados detalhes ao protótipo do costureiro brilhante e temperamental. Enamorado de uma imagem ideal de eterno feminino, doente, deprimido e muitas vezes drogado, o jovem nascido (em 1937) na Argélia colonial deveu muito de sua sobrevivência à parceria, na vida e nos negócios, com Pierre Bergé, a quem conheceu aos 20 anos. Mesmo quando o relacionamento terminou, continuaram a trabalhar e - por muitos anos - a morar juntos.
          O cofundador da YSL, Pierre Bergé, nascido na Ilha de Oléron, em 1932, mudou-se para Paris com o objetivo de se tornar jornalista. Aos 19 anos, passou a trabalhar na cobertura de assuntos políticos. A experiência levou Bergé a conviver com nomes célebres de seu país, como o filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980) e o estilista Christian Dior (1905-1957). Em 1958, em um desses encontros profissionais, conheceu o estilista Yves Saint Laurent (1936-2008), então com 22 anos, mas já um conceituado designer da Dior. Os dois começaram a namorar  - e a parceria se estendeu para os negócios. Em 1961, eles criaram a empresa que ganhou o nome de Saint Laurent.
          Saint Laurent e Bergé ganharam e torraram rios de dinheiro. Nos anos 1980, o casal se separou. Contudo, Bergé permaneceu na administração da companhia até 2002. Desgastada pelo excesso de produtos licenciados e pelo ímpeto criativo havia muito exaurido, a marca foi mudando de mãos.
          Em meados de novembro de 1999, a italiana Gucci, marca consagrada por seus artigos de couro, anunciou a compra da (francesa) Yves Saint Laurent, grife favorita de chiquérrimas como a atriz Catherine Deneuve (que despontou como uma das maiores estrelas francesas, em papel ousado, no filme A Bela da Tarde, em 1967,  vestida com deslumbrantes figurinos de Yves Saint Laurent). Visto de fora, parece que a Gucci está podendo tudo e a Itália marcou um tento no duelo de agulhas e linhas com a França. De perto, não é bem assim. O negócio de 1 bilhão de dólares é mais um round no duelo de dois gigantes franceses, os grupos PPR e o LVMH, e faz parte do mercado persa de aquisições e fusões em que se engalfinham as grandes empresas.
          Como todas as suas colegas da alta costura, a Yves Saint Laurent cria vestidos de 50.000 dólares para um rarefeito grupinho de bilionárias, mas ganha dinheiro mesmo é com a venda de óculos, perfumes e lençóis. No início de 1999 a YSL foi comprada pela Sanofi Beauté, dona de perfumes caros com Krizia e Fendi. Foi a Sanofi que a Gucci abocanhou (em novembro de 1999), transformando-se da noite para o dia em um conglomerado de marcas de luxo. O legendário Yves Saint Laurent, então com 63 anos e muitos problemas de saúde, e o co-fundador da maison, Pierre Bergé, levaram 70 milhões de dólares extras para ceder as três letrinhas e nunca mais dar palpite em acessórios e prêt-à-porter. Preservaram, a título de consolação, um posto na direção da alta costura, mas a palavra final sobre a criação de todos os produtos YSL que dão dinheiro passou para o superestilista da Gucci, o americano Tom Ford.
          Ponto para a Gucci, claro. Mas ponto com nó. Quem lhe vendeu a Sanofi Beauté em condições muito camaradas foi o PPR, um gigante do varejo fino (lojas Le Printemps, livrarias Fnac) que também empilha em seu cofrinho 34,4% de ações de nada mais nada menos que da própria Gucci. A ambição do PPR foi fincar raízes no setor de alto luxo, no qual ele não tinha tradição e onde reinava soberano seu maior rival, o conglomerado LVMH.
          No início de 1999, a Gucci, prensada na parede por um bote aquisitivo da LVMH, considerou que, se um parceiro forte era inevitável, o PPR seria a melhor escolha. Aproximou-se do grupo, facilitou-lhe a compra de um lote de ações e abortou o golpe do rival. Ao passar a Saint Laurent, que era sua, para a Gucci, que era meio sua, o PPR concentra num mesmo canto de seu guarda-chuva um poderoso grupo de grifes elegantes.
          Em 2000, quando o grupo Gucci de grifes de luxo assumiu a divisão de prêt-à-porter, entregando-a ao americano Tom Ford, Saint Laurent destilou: "Coitadinho, ele faz o que pode".
          Em 2002, Saint Laurent fechou a casa de alta costura. Em 2007, foi detectado um tumor cerebral. Morre em 1 de junho de 2008, em Paris. "Uma boa roupa é um passaporte para a felicidade", dizia.
          Pierre Bergé morre em 8 de setembro de 2017, em Saint-Rémy-de-Provence, na França.
(Fonte: revista Veja - 24.11.1999 / 11.06.2008 / 20.09.2017 - partes) 

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